quinta-feira, janeiro 07, 2010

Trovas





(O drama de Inês de Castro, assassinada em 7 de Janeiro de 1355, em Coimbra)

Estava a formosa Inês
com os filhos a brincar,
no seu amante a pensar.
No dia sete do mês
primeiro começa o drama:
o Príncipe está ausente
p’ros lados do Ocidente.
O séquito real brama…
Ora ao mundo contar vou
que sem culpa alguma estou.


D.Pedro, quando me viu,
ficou alheio de tudo,
d’espanto quedou-se mudo.
O olhar sensual traiu
seu rosto. Sou muito linda
e nem o traje disfarça
este meu “colo de garça”.
Logo uma paixão infinda
trouxe ao Pedro e a mim
inquietação sem fim.


Onde é que está o pecado
se ele é o meu Senhor,
o culpado deste amor?
Nada lhe foi recusado
e ele deu-me três rebentos
que são, oh!, o nosso encanto,
mas do pai vão ser o pranto
ao saber dos meus tormentos.
Imoral? Há boa-fé;
Anti-Estado não é.


Sabias, querido bem,
que a corte estava ali perto
e o caminho logo aberto
p’ra me tornarem refém.
Diz-me: por que te ausentaste?
Por que me deixaste só?
Nem dos filhos terás dó?
Em nada disto pensaste?
Perdoo tal desmazelo
que será teu pesadelo.


Podias ser meu esposo;
assim queria teu Pai.
Lágrimas ora chorais,
que o fado é invejoso
da nossa felicidade.
Dizias que, sendo Infante,
somente era tua amante;
em Rei, mulher de verdade.
O destino foi veloz
e destruiu um de nós.


Meu Deus, abriram o portão:
entram El-Rei, conselheiros
e sanhudos cavaleiros .
Arrastada pelo chão,
sou levada até El- Rei,
que diz ser eu ré de morte.
Pergunto: porquê tal sorte?
Cometi crime? Dizei.
Se querer bem é pecar,
então, o que é odiar?


Tua união com meu filho
pode fazer muito mal
ao reino de Portugal.
Basta de tanto sarilho!
Peço a D. Afonso, o Bravo,
compaixão e não me mate,
sou dos filhos baluarte.
Vosso filho, em desagravo,
porá tudo a ferro e fogo,
se não ouvirdes meu rogo.


Lembra-te, grande monarca,
que estes três são teus netos
e sob todos os aspectos
nasceram com nobre marca.
Serão órfãos, culpa Vossa.
Melhor lição dão as feras:
não são, ó Rei, tão severas.
Vê como a loba na choça
acariciou os dois.
E Vós, o que fazeis, pois?


Aceito ser afastada
p’ra longínquo deserto.
Os filhos comigo , é certo
ficam.Mas estou privada
do amor da minha vida.
As palavras d’Inês n’alma
do Rei produziram calma:
na dureza aí havida.
Os conselheiros acodem
e destroem quanto podem.


Os algozes Inês mataram.
Os filhos sem mãe. Que pena!
Como o touro na arena,
todos a Pedro escaparam.
Mas não tardou a vingança:
chacinou os três carrascos,
guardando as tripas em frascos.
Foi uma horrenda matança!
Dos pobres foi sempre amigo.
A justiça andou consigo.


Fym (Fim)


A “mísera e mesquinha”,
“bonina”talhada cedo,
casou com Pedro em segredo
e já morta foi Rainha.
Pelas quebradas dos montes
ecoou de Inês o nome
e daí o seu renome
que se acrescentou às fontes
d’Amores, onde Cupido
a ambos tinha ferido.

(Trovas, em coplas de dez versos de arte real, com “fym”, segundo esquema semelhante em todas as estrofes (abbacddcee).




Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra

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